sábado, 23 de março de 2013



Renascer


Uma da madrugada. Um pobre coitado, chinelos de dedo, roupas sujas e uma calva ladeada por rebeldes grisalhos se  encolhe numa parada de ônibus. É uma noite fresca, quase fria, boa para estar dentro de casa. De repente o som tão aguardado de um motor a diesel ao longe lhe arranca do torpor da espera, "será que desta vez é?" O volume do som aumenta. Arregala os olhos ao ver dois faróis crescerem no horizonte estreito da avenida. Aperta os olhos, lê o letreiro: é o ônibus para a sua cidade, a dez quilômetros dali, o último da noite. Estica o braço para atacar o veículo e se surpreende com a espontaneidade do próprio gesto, como se ele simbolizasse uma disposição de recomeço, sua vontade de se aprumar. A condução para, banhando de luz maternal a parada escura. A porta da frente se abre. Mal sobe o primeiro degrau, sente o calor no interior do carro. Meio curvado, chega bem perto do motorista. Constrangido, falando baixinho, explica que está sem dinheiro e pede carona. O motorista ouve, sentindo o bafo de álcool do pobre coitado, e diz:
“Pela porta de trás!”.
Animado como uma criança, mal desce correndo para embarcar na porta traseira, o ônibus arranca de repente e parte em alta velocidade. 
Fica ali, paralisado por um instante no meio do asfalto, enquanto sua perplexidade vai se dissipando com a fumaça e o ruído do motor que some no horizonte em direção à sua cidade.







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