sábado, 6 de abril de 2013



Lembranças



Viver e recordar são indissociáveis. Uma vivência particular passa, mas as imagens dela ficam estampadas na tela mental. Por isso suspeito que a lembrança possa se sobrepor à vivência. Confesso que já tive a estranha sensação de não ter existência concreta, apenas lembranças: um apanhado virtual de imagens de coisas vividas. Parece que o tempo tem culpa nisso, pois cada segundo que o ponteiro do relógio pula já é passado. A duração das experiências vividas é regida pela lei do princípio meio e fim. Fora isso, existe a velocidade em que esses três elementos se sucedem. Uma vivência dura na medida de nossa sensibilidade à velocidade do tempo.

Verdade é que o passar inexorável dos anos altera a qualidade de nossa percepção sobre a velocidade do tempo. Crianças e adultos percebem isso de forma diferente.. Na infância o tempo é muito mais dilatado; um mês é uma eternidade, e cada minuto é vivido com espontaneidade. Ao contrário, nós, adultos, somos tomados pela perplexidade ao final de cada dia. Sentimos o tempo passar com velocidade alucinante, mas, ao contrário das crianças, temos a incômoda sensação de que não o estejamos aproveitando satisfatoriamente.

Então passamos a antegozar momentos agradáveis: o fim de semana, um passeio, encontro com a namorada... Serão ocasiões em que poderemos "esquecer do tempo", mas a lei do princípio meio e fim, a estrutura em termos de horários e compromissos, põe termo nesses momentos que gostaríamos de congelar. Se o tempo reduz as experiências boas a lembranças, que sentido há na ansiedade de antegoza-las? Dizer é fácil. Insatisfeitos, alguns vão atrás de experiências cada vez mais intensas na tentativa de reter o momento, parar o tempo. Mas sensação de que ele não pode ser retido, que nos escapa como areia entre os dedos, permanece. Talvez o caminho seja apenas fluir, se entregar, e os bons momentos, inevitáveis que são, serão melhor aproveitados e não deixarão tanta perplexidade por terem passado.

Viver e lembrar. Queremos vivenciar momentos agradáveis, repeti-los. Mas no final das contas só restará uma lembrança. Quando acordamos para o caráter volátil das vivências só nos resta valorizar as lembranças. As boas nos envolvem em devaneios agradáveis, as más servem de lição. Por isso, tão ou mais importante quanto o que se vive é o que se lembra. E se nossas vivências se tornam lembranças, melhor que sejam boas. Tal consciência sugere usar o bom senso a fim de conduzir as experiências presentes da forma mais positiva possível, pois tudo passa na velocidade de um raio...

Desde que começara a ler essas linhas, várias inspirações e expirações já passaram, acaso prestou atenção em alguma? A respiração nos dá uma noção ritmo implacável do tempo, mas, curiosamente, quando prestamos atenção nela, somos tomados por uma sensação reconfortante de eternidade. A eternidade é maior que o tempo, o contém. O Tempo é uma lei no contexto da aventura humana. "Ao tormento da existência vem ainda juntar-se a rapidez do tempo que nos inquieta, que não nos deixa respirar e se conserva atrás de cada um de nós como um vigia dos forçados de chicote empunho", disse Schopenhauer

Não é o lugar em que se está, é a forma como o momento é vivido em graus de entrega a ele. Talvez não seja o "que se faz" nos moldes pré-fabricados de experiências "felizes". Talvez seja o que se é.







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